Da crença

Sentou-se perto de mim, pedindo licença. Naquele momento passava por ali ao acaso. Presságio?
A minha pergunta nasceu seca, direta e cinza, como meu corpo àquela hora da manhã: o que você procura quando está descrente?
Pobre M., ou afortunado M.
Ele, o cético, o descrente, o ateu, não titubeou.
Não veio com verdades prontas, nem com frases de efeito, tomou-me com respeito e delicadeza pelas mãos, e me deu pedaços vivos de sua história, seus guardados de vida, me levou às relvas de Walt Whitman, aos movimentos de Beethoven, ao menino Jesus de Fernando Pessoa.
Me banhou de luz, e de fé.
Ele foi o mais crente dos crentes.
Eu tenho o dever de seguir.

a l a r g a r o e s p a ç o d a d o r

Um rasgo na pele
um rasgo na carne
um rasgo no pensamento
uma volúpia escancarada
um berro do ventre
um espasmo.

Eu quero a dor.

O caminho da operação

Sentada de pernas cruzadas
queixo apoiado em mãos frias
sentia o corpo entrar em ebulição.

Seus grandes olhos passeavam de um lado a outro da sala
buscava um lugar onde pousá-los
mas não havia nada ali.

Ela teria que expiar a pena
inventar a matéria
se levantar da cadeira
limpar o passo
suportar o sacrifício
e caminhar no novo chão.