Exercício de mim mesma com o Outro:

Não há como negar a dor de parir um novo ser. Mas a violência também acaricia a pele e ousa entrar dentro de mim. Desvelando. Revelando. O que fomos não serve mais. Reiventar-se é trabalho em outro tempo, não cronológico. O corpo morto ainda luta com o corpo vivo que se inventa. É preciso estar atento e ativo. Não há destino certo nem a mão de Deus. Não se trata de sorte. E sim de CRENÇA.

Medida = Vastidão

Disse Rubens Espírito Santo:
"Quando você está dentro do contorno do seu corpo Flávia, ele é ilimitado."

E eu:
"Então medida é igual a vastidão?"


Sim.

Corpo nosso de cada dia

Gastamos nossa energia em preocupar-nos às vezes com coisas tão medíocres, que quando nos vemos diante de algo realmente grande, o corpo com dificuldade se coloca perante o "algo".
O que é algo realmente grande hoje?
Nosso próprio espírito.
E se engana quem pensa que seu espírito já está aí, acordando e dormindo, simplesmente porque tens um corpo vivo e saudável. Não. Há que se conquistar o próprio espírito.
Alguns assumem essa luta sozinhos. Outros com Deus. Outros com Mestres. Outros com a Arte. Enfim, que cada um escolha seu caminho, mas que façamos esse religamento. O mundo pede um novo homem. Um homem inteiro. Uma mulher inteira.
E aí, esse ser humano inteiro, com a força de ser o que se é, poderá fazer qualquer coisa que decidir fazer.
Realizar a nossa potência máxima é a parte que nos cabe nessa terra de ninguém.
Terra de ninguém = terra de todos
Tomemos posse de nós mesmos.

É isso...

Disse Elias Canetti:

"Pois quem está começando não tem como saber o que vai encontrar dentro de si. Como poderia sequer intuí-lo, já que aquilo não existe ainda? Com ferramentas emprestadas penetra no solo, este também emprestado e estranho, já que é o de outros. Quando se vê pela primeira vez diante de alguma coisa que não reconhece, que veio do nada, se assusta e cambaleia: pois isso é a essência própria."

E surgiu uma clareira na minha estrada com Rubens Espírito Santo.

Por que sigo?

Porque afinal o que importa é você se desbravar,
é o namoro consigo mesmo,
é se permitir errar,
é o risco.

Arrisque nas bordas do seu próprio ser. Existe ventura.

Há algo de ti em ti que te escapa, mais atenção!

É bom lembrar...

...porque me apresentaram o Calvin, e eu gostei.

De si sabia pouco, mas um tanto que permitia o passo.
Foi vivendo.
Não o bastante.
Ousou pedir ajuda. Segue tentando a passagem.

Puro risco

Vai lá e diz, pensou.
Ah, se dizer conseguisse, seria. Ou poderia começar a ser.
Se tanto tens aí dentro de ti, só com você não pode ficar.
Queime pelo corpo, mas arrisque a palavra, não seja indolente.
Não mais.

Da crença

Sentou-se perto de mim, pedindo licença. Naquele momento passava por ali ao acaso. Presságio?
A minha pergunta nasceu seca, direta e cinza, como meu corpo àquela hora da manhã: o que você procura quando está descrente?
Pobre M., ou afortunado M.
Ele, o cético, o descrente, o ateu, não titubeou.
Não veio com verdades prontas, nem com frases de efeito, tomou-me com respeito e delicadeza pelas mãos, e me deu pedaços vivos de sua história, seus guardados de vida, me levou às relvas de Walt Whitman, aos movimentos de Beethoven, ao menino Jesus de Fernando Pessoa.
Me banhou de luz, e de fé.
Ele foi o mais crente dos crentes.
Eu tenho o dever de seguir.

a l a r g a r o e s p a ç o d a d o r

Um rasgo na pele
um rasgo na carne
um rasgo no pensamento
uma volúpia escancarada
um berro do ventre
um espasmo.

Eu quero a dor.

O caminho da operação

Sentada de pernas cruzadas
queixo apoiado em mãos frias
sentia o corpo entrar em ebulição.

Seus grandes olhos passeavam de um lado a outro da sala
buscava um lugar onde pousá-los
mas não havia nada ali.

Ela teria que expiar a pena
inventar a matéria
se levantar da cadeira
limpar o passo
suportar o sacrifício
e caminhar no novo chão.

Missão

Me embriagando até o nervo mais escondido de meu corpo, engulo palavras daqueles que souberam aproveitar a sua potência espiritual encarnada. Do verbo tento fazer a minha carne. Meus órgãos dançam dentro de mim. Minha pele grita. As escadas já estão aqui. Só me resta descer, degrau por degrau. O fogo ainda queima. Anseio por chegar. Às vezes peço força, me esquecendo de que já tenho ela aqui, está dentro e não fora. Fora não há nada. Fora é a realidade. A fictícia. Quero o meu real. Quero me vestir dele. Quero calçá-lo, dos pés à virilha. Quero cobrir-me dele, da cabeça ao ventre. E pari-lo ao mundo.

Hijikata

"Uma e outra vez renascemos. Não é suficiente haver nascido simplesmente do útero materno. São necessários muitos nascimentos. Renascer sempre e em cada lugar."
.
.
.
...porque é assim que eu vou me fazendo.

Mergulho

Ela olhou lá embaixo e viu profundo.
Seu corpo tremia, inseguro. Lágrimas correntes e contínuas, mas sem dor, era insuportável.
Passeou o quanto pôde pela superfície de si. Até que não deu mais.
Saltou.

Para ele

"Lembrei-me de ti, quando beijara teu rosto de homem, devagar, devagar beijara, e quando chegara o momento de beijar teus olhos - lembrei-me de que então eu havia sentido o sal na minha boca, e que o sal de lágrimas nos teus olhos era o meu amor por ti. Mas, o que mais me havia ligado em susto de amor, fora, no fundo do fundo do sal, tua substância insossa e inocente e infantil: ao meu beijo tua vida mais profundamente insípida me era dada, e beijar teu rosto era insosso e ocupado trabalho paciente de amor, era mulher tecendo um homem, assim como me havias tecido, neutro artesanato de vida."
(lendo Clarice Lispector, A Paixão Segundo G.H.)

Saudade de você Gabriel, meu amor.

Hoje

Estar só. Dia de sol bonito. Não sair de casa. Fazer tarefas simples. Cuidar das plantas, mexer na terra. Ficar à toa. Ouvir Chico. Pensar em ler, e vagar pela casa. Ver um programa sobre fotografia na TV. Sentir saudades de alguém que vai voltar. Acender um incenso. Lavar vasilhas. Deitar e rolar na cama. Escutar o silêncio. Deixar o tempo passar.

Só possibilidades


Brincar com as coisas.
Transgredir os sentidos.
Dilatar a alma,
a imaginação,
as idéias.
Inventar conceitos.

Sobre aquilo que te fala ao coração

Se deparar com uma verdade muito profunda, que você talvez até desconheça o seu caminho pelas vias racionais, mas simplesmente pressente que é uma verdade, é algo muito, muito dolorido, e difícil.

É dolorido porque o ser humano possui um ego, um “sei lá o quê” que precisa ser constantemente alimentado por, talvez, falsas verdades. E difícil porque, se você pressente que faz sentido, você vai querer ir até o fundo dela, e esse caminho não é simples, e muito menos fácil.

Eu ouvi uma verdade hoje. Uma verdade quase cruel, para os padrões a que estou acostumada, a que estamos acostumados. Mas é uma verdade, e ela ressoou no meu peito. Então a recebo, e deixo ela aqui dentro de mim. Espero que o caminho dessa verdade seja frutífero. E isso é o máximo que posso pedir.

Agora as perguntas... Como dar algo profundo num mundo tão banal, que chega a beirar o ridículo? Acessar esse “si-mesmo” mais profundo, até vislumbro. Mas não vislumbro como colocar esse sujeito “encontrado” em relação com o meio.

Não vislumbro, não sei como agir, não sei o que fazer, não sei como lidar com essa verdade que pode se desenvolver e desabrochar e pedir para comunicar.

Mas por incrível que pareça não tenho medo. Tenho outra coisa que não sei o nome. Não é nada que me impede o caminhar.

E talvez por agora só isso baste.

Outra passagem

a de Augusto Boal, no dia 2 de maio.

Para o Dia Mundial do Teatro - 27 de março de 2009 - ele disse assim:

"Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.

Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!

Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro.

Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.

Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.

Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - “Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida”.

Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.

Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida!

Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!"

Augusto Boal

Irmã... Rimã...



Ela está voando agora... teve a coragem de dar o salto.
Será um belo passo de dança.

Escrevendo

Às vezes eu sinto vontade de começar um novo blog. Um fechado.
Na verdade é porque sinto vontade de escrever só pra mim. Será que isso é egoísmo?
Acho que é porque a vontade de escrever é mais de pensar alto, sabe...
e pensar alto às vezes pode ser sem sentido, sem nexo, até sem forma.
É mais uma tentativa de entender. E isso pode ser confuso para quem lê. Porque só serve a quem escreve.

Passagem

17 de abril de 2009
Essa noite no teatro do Folias não teve peça. Teve despedida.
A despedida de um HOMEM DO TEATRO, Reinaldo Maia.

Brecht falou assim:

"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."

Maia foi imprescindível.
O Folias perde um companheiro, um irmão.
O teatro perde um guerreiro.

Por aí...

Não tenho vindo por aqui.
As paragens têm sido outras, que me absorvem e vão construindo meu caminho.
Sinto que vou acumulando silêncios.
Por estes tempos tenho evitado procurar respostas, só deixo brotarem as perguntas.
...

Por Mário Quintana

A coisa em si, nunca: a coisa em ti.